Em uma infância modesta num tempo ainda distante da Internet, eu lia vezes sem fim a Enciclopédia Conhecer, antigas revistas e um punhado de livrinhos que as vezes comprava de segunda mão. Geografia, história e ficção científica eram meus prediletos

Fanático por geografia, cada nome de lugar que lia eu buscava na enciclopédia. Aos dez anos ganhei um globo que se acendia e pontuava os lugares, girando um disco que cruzava a latitude e a longitude. Eu passava horas diante daquela esfera azul acesa, marcando lugares e anotando num caderninho.

Certa vez, ganhei algumas coleções de meu pai. Umas delas tinha alguns clássicos do francês Jules Verne. Aquilo me fascinava. Eu lia repetidas vezes o livro As 20 Mil Léguas Submarinas, a história do Capitão Nemo e seu fantástico submarino. A certa altura da aventura, “o submarino emergiu ao largo das Ilhas Lofoten”. Eu fui ao globo para ver onde ficava esse lugar que soava tão distante.

Ficava lá em cima, perto do topo do mundo, dentro do Círculo Polar Ártico, nos confins da Noruega, um país que já se encontra no norte do Hemisfério Norte. Naqueles tempos, isso ficou marcado para mim como sinônimo de lonjura – não somente pela distância física, mas intangível demais para a realidade de um menino de 10 anos na década de 1970. Absorto em minhas leituras, através das quais eu viajava, me perguntava o tempo todo se um dia eu conseguiria conhecer apenas um dos tantos lugares que me encantavam. Tudo parecia tão distante e impossível.

O tempo passou, essa história submergiu no inconsciente e não me lembrei mais dela. Mais de duas décadas se passaram e, no começo de 2002, quando eu estreava como repórter e fotógrafo de viagens, fui convidado de última hora para cobrir uma competição de trenós puxados por cães, no extremo norte da Noruega. No last minute, me organizei como pude e parti para aquilo que seria, sem que eu soubesse, a primeira de muitas viagens sem data para acabar.

Após alguns voos e conexões incomuns, desembarquei em Alta, a capital da região norueguesa de Finnmark, no extremo norte do país, próximo ao fim do longo inverno norueguês. Durante alguns dias, acompanhei a curiosa competição de trenós que se desenrolava através da brancura de uma paisagem exótica formada por colinas, platôs e florestas vestidas de branco e entrecortadas por rios congelados. Foi numa dessas noites que vi meu primeiro fiapo de aurora boreal, tênue e muito breve.

Próximo ao fim da prova e de meu retorno ao Brasil, recebi um e-mail do turismo do país me convidando para estender a viagem e conhecer “um arquipélago belíssimo, pontuado por centenas de picos nevados, canais e fiordes, terra da aurora boreal, do sol da meia noite, da pesca do bacalhau e de antiquíssimos assentamentos vikings. Um lugar chamado Ilhas Lofoten”. Aceitei o convite de imediato e, ao mesmo tempo, me veio a pergunta: de onde eu conhecia esse nome? Fiquei com essa indagação na cabeça. Três dias depois, após um dia inteiro navegando entre canais estreitos e fiordes aprisionados entre penhascos, desembarquei nas ilhas Lofoten num fim de tarde pesadamente cinzento. Fiquei cerca de cinco dias nas Ilhas. Numa noite, a aurora boreal surgiu enquanto eu caminhava sozinho a beira de uma estrada. Parado ali, na escuridão da noite, pus a câmera no tripé, ouvindo o mar a certa distância, e comecei a fazer as minhas primeiras fotos da aurora. Naquele momento caiu a ficha. Foi uma conexão emocionante com a minha infância: Eu estava lá, naquele arquipélago que li na saga do Capitão Nemo, e que há quase três décadas era inalcançável para aquele menino de 10 anos.

Desde a primeira viagem em 2002, já foram dezenas de incursões ao maravilhoso norte da Noruega – a feliz reconexão com minhas viagens de infância foi somente o pontapé inicial, porque motivos havia de sobra: uma inigualável e preservada natureza, os exóticos fenômenos como a aurora boreal e o sol da meia noite, a pesca do bacalhau, a arte e a cultura dos povos costeiros do Mar do Norte, os remanescentes vikings e os espetaculares cenários que se sucedem interminavelmente.

Desse epicentro inicial eu expandi minhas explorações para regiões adjacentes, como Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia, Ilhas Faroe, Arquipélago de Svalbard e outros destinos na própria Noruega, como a maravilhosa região dos fiordes. Produzi dezenas de artigos sobre variados temas, publicados ao longo de anos em revistas do mercado editorial brasileiro. De toda essa vasta região situada dentro ou ao redor do Círculo Polar Ártico, a mais espetacular é, para mim sem sombra de dúvida, o extremo norte da Noruega.

Mais histórias